quinta-feira, 4 de abril de 2019

Gipsy e um outro paradigma


Contra esta modernidade líquida, a fluidez dos conceitos, a dissolução dos
compartimentos estanques, a total impregnação da ambivalência, Gipsy apresenta-se com uma simplicidade provocante. A começar, porque ele regressa à segurança de uma realidade a preto e branco. No seu pensamento tudo é claro (ou escuro) e isso é-lhe vital, mesmo correndo o risco de morder àqueles que não eram os seus inimigos. Há quem prefira deixar à solta um criminoso para não meter na prisão um inocente; o Gipsy prefere enfiar todos na prisão, criminosos e inocentes, para não ter que dar de caras na rua com um assassino que anda à solta em nome de princípios humanistas e democráticos. Se o Gipsy fosse um reformador do sistema legal, colocava toda a gente dentro. Depois soltar-se-iam os inocentes. Gipsy dispara primeiro e pergunta depois.
Ao princípio que diz que é preferível deixar os culpados impunes que castigar inocentes, Gipsy responderá precisamente algo de substancialmente diferente e que não é precisamente o contrário: é preferível enganar-me na punição por excesso que deixar alguém na rua que nos possa fazer mal. Se ambas as soluções não são boas, escolhamos a que nos permite viver melhor. Talvez nos dificulte o sono, tenhamos problemas a dormir, mas, depois de acordar, poderemos estar mais confiantes em relação àqueles com que nos cruzamos. Entre a liberdade e a segurança, Gipsy não é propriamente um liberal.
É que Gipsy subscreve também o conselho que Maquiavel dava ao Príncipe: é mais seguro ser temido que ser amado. É por essa razão que, depois, tento justificar o mau feitio que o meu Gipsy, um pequeno pincher, exibe em público, adiantando que em casa, no conforto do lar, dum lar que só tardiamente ele teve, ele é um cão muito dócil e carinhoso. Como também tento justificar o seu comportamento agressivo explicando que o seu passado, a sua história, foram traumatizantes; que no bairro onde passou os primeiros anos, ninguém era adepto da modernidade líquida de Zygmunt Bauman. Aí todos acenam com a cabeça, compreensivos, sensibilizados.
Gipsy não é admirado ou amado pelo povo, mas está dentro da compreensão multicultural do nosso tempo.

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