domingo, 2 de setembro de 2018

De marca ou genéricos?


Outro dia foi diagnosticado ao Gaudí uma infecção urinária. De imediato, o veterinário receitou-lhe um
O Gaudí e eu
antibiótico que fui levantar na farmácia. Aí, a farmacêutica perguntou-me se eu queria um genérico ou um antibiótico de marca. Não sei se refleti muito sobre a resposta. De facto, quase imediatamente respondi: «Dê-me um antibiótico de marca, porque é para o meu cão! Só levava o genérico se fosse para mim!».
Pensei várias vezes no que tinha feito e discuti o ocorrido com algumas pessoas que pareciam chocadas. Entendiam que devia ser ao contrário. Não me convenceram. Não se tratava de saber quem merecia o produto, eventualmente, melhor. Era outra coisa, que não sabi muito bem, na altura, como justificar. Nomeadamente, havia um argumento que me martelava na consciência: em tempos de dificuldades, uma sociedade em que as desigualdades continuam a aumentar e a pobreza se "mascara" de novas formas, parecia quase criminoso ou pelo menos insultuoso que eu comprasse um antibiótico de marca para o meu cão, enquanto não hesitaria em escolher um genérico para mim.
Ora, talvez tenha encontrado uma possibilidade de resposta em Kant e, mais concretamente, no filósofo australiano Peter Singer. É que a luta contra o especismo, a perspetiva discriminatória com que tratamos os seres de outras espécies animais como se estes existissem apenas em função dos seres humanos e para satisfação dos interesses destes, é também um desafio à nossa inclinação moral e, no limite, ao nosso altruísmo.
O que damos aos animais não humanos e não a animais humanos, os nossos semelhantes, exprime ao mais alto nível o nosso altruísmo moral. Isto é, quando me dou ou dou ao outro, este outro não é "apenas" a outra figura de mim, mas radicalmente o outro que não sou eu; será então nesse momento que dou expressão ao meu amor puro e desinteressado.
E, nesse sentido, é então que me coloco sob os auspícios da perspetiva ética mais rigorosa. Quando escolho o melhor para o meu cão, eu estou a entregar-me da forma mais gratuita, a que não espera nenhuma retribuição. O Gaudí não pode dizer que faria o mesmo. E eu não espero nada dele, que ele retribua. O que está em jogo é "apenas" o amor desinteressado pelo outro.
Podem sorrir desta minha atitude, como a farmacêutica naquela ocasião. Só lhes posso responder que o amor ao outro é mesmo uma coisa muito séria.