O
Gipsy quando decide morder em alguém que se cruza connosco, espera sempre que
essa pessoa passe e, pelas costas, atira-se às pernas do transeunte. Chama-se a
isto um ataque traiçoeiro e o Gipsy, o nosso pequeno pincher, gosta de atacar
pelas costas, morder à traição. Quando o outro menos espera e a nossa vigilância
abranda, o Gipsy volta-se e rapidamente tenta deixar no incauto a marca dos
seus pequenos dentes. Na maioria das vezes, conseguimos evitá-lo, pois já
sabemos dessa sua tática, como também começamos a perceber e identificar o tipo
de pessoa que suscita no Gipsy esta sua mania pouco simpática, mas a isso
havemos de voltar um dia, porque envolve problemas com as minorias étnicas e
razões quase xenófobas por parte do pequeno pincher.
Ora,
atacar alguém pelas costas deve ser dos comportamentos que mais merecem
censura. A esta censura do comportamento traiçoeiro corresponderá o elogio da
frontalidade, o que não é traço da personalidade do Gipsy. Segundo a cultura
oficial da nossa sociedade, elogiamos aqueles que são frontais, que dizem o que
pensam na cara das pessoas e não optam por, manhosamente, irem por trás espetar
a faca nas costas daquele a quem não temos a coragem de enfrentar. A nossa
sociedade e a nossa escala de valores coletiva não se dá bem com esse
comportamento traiçoeiro e falso. A frontalidade coincide com honestidade e
verdade; a traição vive e alimenta a mentira, a dissimulação, a desonestidade, a
velhacaria.
Assim,
o comportamento do Gipsy não só merece toda a nossa censura, como à luz do
nosso entendimento judaico-cristão e dos nossos valores, revela um mau caráter.
O Gipsy devia, deste modo, ser considerado como possuindo um mau caráter. Claro
que o Gipsy não se importaria com esses considerandos. O seu espírito
utilitarista e pragmático facilmente se desembaraçaria dessas teias moralistas.
E ele, cinicamente ou dotado de uma lucidez cínica, justificar-se-ia,
explicando que só chegou aqui a este mundo cão, não se prestando a
frontalidades e heroísmo estéreis que acabariam por desgraçá-lo.
O
Gipsy é um cão pequeno, que nasceu na rua e foi educado, literalmente, a pontapé.
Por outro lado, o mundo ainda não deu os suficientes passos civilizacionais
para proteger decentemente os mais fracos. Sim, ele ataca pelas costas, porque
desse modo tem mais hipóteses. Afinal, onde é que ele iria buscar algumas
vantagens competitivas que equilibrariam a contenda?
Sim,
o Gipsy é traiçoeiro, ataca e morde pelas costas, quando menos se espera. Porque
o que o preocupa mesmo é sair-se bem da sua ação e não ser gratificado por
elevados padrões morais a serem reconhecidos no seu elogio fúnebre.
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