Quando
veio para nossa casa, rapidamente conquistou o nosso amor, começando a
relacionar-se perfeitamente com o Gorki e o Gaudí. Rapidamente aumentou de peso
e enternecia-nos o modo como se aninhava no sofá e adormecia: eram as primeiras
noites dormidas com conforto e em segurança.
Na mesma
altura, apresentava aos meus alunos as propostas ético-políticas de John Rawls
(1921-2002), concretamente, aquelas que o filósofo norte-americano defendera na
sua principal obra, Uma Teoria da Justiça.
Segundo aquele professor de filosofia política da Universidade de Harvard, a
liberdade e o direito à liberdade não podem ser diminuídos em nome da obtenção
de qualquer forma de bem-estar.
Segundo
Rawls, a liberdade (como a justiça) não entra no cálculo dos interesses
sociais. A história do século XX está cheia de exemplos de projetos políticos
em que as liberdades dos cidadãos foram sacrificadas em nome duma mais justa
distribuição dos rendimentos e dum mais igual acesso a vários bens sociais.
Foi
nesse momento que a situação do Gipsy resvalou para o centro das minhas
preocupações. É que o Gipsy vivia naquele bairro em absoluta liberdade. Não
tinha dono, nem coleira, nem horários, nem obedecia a qualquer ordem. Quando
veio para a nossa casa, começou, pela primeira vez ao fim do seu ano e pouco de
vida, a usar uma coleira. Quando o passeávamos, ía ao lado dos outros e seguia
as orientações dos seus donos. Subitamente, a partir da minha reflexão e das
minhas aulas sobre Rawls, surgiu uma questão incomodativa: seria que o Gipsy
não preferiria a sua vida anterior, em plena liberdade, a ter regras, um espaço
limitado e irmãos com que partilhar e limitar o seu instinto? Se ele pudesse
escolher, teria optado pela liberdade e recusado a segurança e o bem-estar?

Não sei
ainda como responder seguramente àquelas perguntas. O pequeno Gipsy conseguiu
levar-me a uma questão fundamental da filosofia política. De certeza que também
me vai levar a procurar outras alternativas ao liberalismo político de Rawls.
(Da série Os meus cães e eu)
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