Os portugueses usam uma
expressão interessante quando se referem a alguém que, continuando ligado à
empresa ou instituição, passou a não exercer nenhuma tarefa, ficando o dia todo
quieto a um canto, esquecido. Diz-se, nesse caso, que foi posto na prateleira. Nas
escolas, quando algum professor era vítima de doença que o limitava no
exercício das suas funções, deixava de poder lidar com os alunos. A sua
incapacidade fazia com que não pudesse continuar a dar aulas sem, no entanto,
passar à situação de aposentação por invalidez. Nestes casos, a direcção
da escola costumava retirar-lhe as turmas, embora o que se passasse,
efetivamente, é que ele é que era retirado
às turmas. Este professor correria o risco de ir parar à prateleira, não
fosse a direcção das escolas ter a luminosa ideia de o colocar na biblioteca da
escola. Na grande maioria das escolas era esta a saída para o problema. Uma
solução para o infausto professor, não para a biblioteca. Esta podia ganhar pouco
com este novo colaborador, mas a "solução" também revelava o
entendimento muito difundido sobre o papel das bibliotecas escolares. O
professor estava incapacitado, mas como se partia do princípio que ninguém ía à
biblioteca e que o professor que aí estivesse fica sossegadinho e apenas se
limitava a bocejar e a vigiar o voo dos livros, então a biblioteca podia ser
esse lugar de exílio. Ou melhor, atendendo ao caráter "terapêutico"
do desfecho, podia encarar-se a estadia na biblioteca como uma ida para as
termas.
Mas estes procedimentos não
aconteciam apenas com docentes que apresentassem uma situação clínica que
desaconselhava a continuação da atividade docente e, por isso, íam parar à
biblioteca.
Em 2010, aconteceu o caso duma
jovem professora de Mirandela que posou nua para a Playboy. O escândalo, imediata
e amplamente divulgado na imprensa e nas redes sociais, exigiu uma rápida
resposta da administração educativa. Com efeito, foram-lhe retiradas as turmas
e, deste modo, lá foi parar à prateleira. Só que não podia ir parar à
biblioteca, pois temia-se o contacto da ousada docente com as almas puras e
ingénuas dos meninos. Neste caso, optou-se por esconder a professora no arquivo
municipal, onde não deveria contactar com o público e poderia ganhar alguma
alergia na pele, por causa do pó dos canhenhos e das actas nunicipais, o que
seria uma espécie de castigo divino. Ora, longe da vista, longe da tentação. O
arquivo municipal não é lugar que se frequente, mas onde se deposita aquilo que
já não interessa. Não era o caso da professora, bem pelo contrário. Mas ao
"arquivar-se" a professora, arquivava-se o problema, arrumava-se a
questão. É essa a função das prateleiras e do arquivo morto: continuando tudo
desarrumado, fica tudo arrumadinho.
(As coisas e as palavras)
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