Uma das
minhas leituras de verão inclui um curto e oportuníssimo ensaio de Rob Riemen,
um filósofo holandês nascido em 1961: O
Eterno Retorno do Fascismo.
Riemen começa por enquadrar propedeuticamente a reflexão sobre este retorno
reiterado do fascismo. Em primeiro lugar, a questão terminológica: a palavra
«fascismo» é tabu na Europa e usam-se várias denominações para clarificar movimentos
da direita e extrema-direita (conservadorismo radical, populismo de direita),
mas nunca usa o termo «fascismo». Ora, alerta Riemen, se queremos combater
eficazmente o fascismo, teremos de o chamar pelo seu nome, não deveremos temer
o uso da palavra adequada: «fascismo».
Por outro lado, há que ter em conta que o fascismo corresponde à politização de
uma mentalidade que se começara a desenvolver no cenário europeu. É assim que
regressa a alguns autores que logo no início do século XIX vão dando conta
dessa atmosfera: Goethe, Tocqueville, Nietzsche e, mais tarde, Ortega Y Gasset.
O que nos relatam esses autores é sublinhado por Riemen? Fundamentalmente, a
perda dos valores espirituais que acarreta não só o desaparecimento da moral,
como da cultura.
A Europa que, no século XX, estava no limiar duma sociedade
livre, onde se respeitava a liberdade individual, se assumia a responsabilidade
pessoal e se cultivavam os valores espirituais que apoiavam o ideal de
civilização, acaba, segundo Ortega Y Gasset, por rejeitar esta oportunidade
histórica em nome dum novo tipo de indivíduo: o homem da multidão, o
homem-massa (pp. 21-22). A ascensão deste tipo de homem representa uma ameaça
direta aos valores e ideais da democracia liberal e do humanismo europeu,
"tradições em que o desenvolvimento espiritual e moral do indivíduo livre
garante os fundamentos de uma sociedade livre e aberta" (p. 22). Ora, o caráter
niilista desta sociedade de massas é reforçado por outros fatores, como, por
exemplo, os mass media que "são a melhor escola para os demagogos, como
estes retiram o seu poder do facto de o povo, à força de se alimentar de uma
linguagem que mais não faz do que simplificar, não compreender mais nada, nem
querer ler ou ouvir coisas diferentes" (p. 25). Acaba, deste modo, por se
desenvolver uma sociedade obcecada por trivialidades, cultivando a banalidade e
a tagarelice, atolada em ressentimento e medo, onde a política acaba por se
tornar assunto de demagogos. Por outro lado, explora-se uma cultura do
ressentimento que elege um bode expiatório que acusa de causa de todos os males:
o judeu. Daí concluir Riemen que os
disfuncionamentos sociais e a crise económica não bastarem para explicar a
ascensão do fascismo; é que "o fascismo está demasiado enraizado no culto
do ressentimento e no vazio espiritual" (p. 35). A par desse clima
espiritual, Riemen acusa também a arrogância e a cobardia das elites sociais em Itália e na Alemanha. Por exemplo,
os liberais deixaram de defender o ideal da liberdade e do humanismo europeu,
para se interessarem apenas pela liberdade dos mercados; os conservadores, por
sua vez, estavam preparados para trocar, sem escrúpulos, os valores espirituais
pela preservação do seu próprio poder.
Esta
enraizamento do fascismo num determinado ambiente espiritual que o favorece,
leva-nos a concluir que o fascismo não desapareceu com o fim da guerra. A crise
moral, a estupidez organizada,o embrutecimento, a trivialidade, tudo isto
contribui para um clima propício ao regresso do fascismo.
Esta
colocação do fascismo no âmbito da crise dos valores e da cultura leva-nos a
ter que reconhecer a importância duma educação humanista que cultive nos
indivíduos, desde muito cedo, os sentimentos de justiça e igualdade, os ideais
da beleza e da harmonia, o compromisso com a responsabilidade e a solidariedade
para com o nosso semelhante. Nesse sentido, o papel da filosofia na educação
dos jovens poderá sair reforçado, na medida em que contribui para o
desenvolvimento duma atitude cidadã e crítica, apoiada em valores espirituais
que constituem, afinal, o nosso próprio património civilizacional.
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