domingo, 19 de agosto de 2018

O eterno retorno do fascismo segundo Rob Riemen


                Uma das minhas leituras de verão inclui um curto e oportuníssimo ensaio de Rob Riemen, um filósofo holandês nascido em 1961: O Eterno Retorno do Fascismo[1]. Riemen começa por enquadrar propedeuticamente a reflexão sobre este retorno reiterado do fascismo. Em primeiro lugar, a questão terminológica: a palavra «fascismo» é tabu na Europa e usam-se várias denominações para clarificar movimentos da direita e extrema-direita (conservadorismo radical, populismo de direita), mas nunca usa o termo «fascismo». Ora, alerta Riemen, se queremos combater eficazmente o fascismo, teremos de o chamar pelo seu nome, não deveremos temer o uso da palavra adequada: «fascismo»[2]. Por outro lado, há que ter em conta que o fascismo corresponde à politização de uma mentalidade que se começara a desenvolver no cenário europeu. É assim que regressa a alguns autores que logo no início do século XIX vão dando conta dessa atmosfera: Goethe, Tocqueville, Nietzsche e, mais tarde, Ortega Y Gasset. O que nos relatam esses autores é sublinhado por Riemen? Fundamentalmente, a perda dos valores espirituais que acarreta não só o desaparecimento da moral, como da cultura.
A Europa que, no século XX, estava no limiar duma sociedade livre, onde se respeitava a liberdade individual, se assumia a responsabilidade pessoal e se cultivavam os valores espirituais que apoiavam o ideal de civilização, acaba, segundo Ortega Y Gasset, por rejeitar esta oportunidade histórica em nome dum novo tipo de indivíduo: o homem da multidão, o homem-massa (pp. 21-22). A ascensão deste tipo de homem representa uma ameaça direta aos valores e ideais da democracia liberal e do humanismo europeu, "tradições em que o desenvolvimento espiritual e moral do indivíduo livre garante os fundamentos de uma sociedade livre e aberta" (p. 22). Ora, o caráter niilista desta sociedade de massas é reforçado por outros fatores, como, por exemplo, os mass media que "são a melhor escola para os demagogos, como estes retiram o seu poder do facto de o povo, à força de se alimentar de uma linguagem que mais não faz do que simplificar, não compreender mais nada, nem querer ler ou ouvir coisas diferentes" (p. 25). Acaba, deste modo, por se desenvolver uma sociedade obcecada por trivialidades, cultivando a banalidade e a tagarelice, atolada em ressentimento e medo, onde a política acaba por se tornar assunto de demagogos. Por outro lado, explora-se uma cultura do ressentimento que elege um bode expiatório que acusa de causa de todos os males: o judeu. Daí  concluir Riemen que os disfuncionamentos sociais e a crise económica não bastarem para explicar a ascensão do fascismo; é que "o fascismo está demasiado enraizado no culto do ressentimento e no vazio espiritual" (p. 35). A par desse clima espiritual, Riemen acusa também a arrogância e a cobardia das elites  sociais em Itália e na Alemanha. Por exemplo, os liberais deixaram de defender o ideal da liberdade e do humanismo europeu, para se interessarem apenas pela liberdade dos mercados; os conservadores, por sua vez, estavam preparados para trocar, sem escrúpulos, os valores espirituais pela preservação do seu próprio poder.
                Esta enraizamento do fascismo num determinado ambiente espiritual que o favorece, leva-nos a concluir que o fascismo não desapareceu com o fim da guerra. A crise moral, a estupidez organizada,o embrutecimento, a trivialidade, tudo isto contribui para um clima propício ao regresso do fascismo.
                Esta colocação do fascismo no âmbito da crise dos valores e da cultura leva-nos a ter que reconhecer a importância duma educação humanista que cultive nos indivíduos, desde muito cedo, os sentimentos de justiça e igualdade, os ideais da beleza e da harmonia, o compromisso com a responsabilidade e a solidariedade para com o nosso semelhante. Nesse sentido, o papel da filosofia na educação dos jovens poderá sair reforçado, na medida em que contribui para o desenvolvimento duma atitude cidadã e crítica, apoiada em valores espirituais que constituem, afinal, o nosso próprio património civilizacional.


[1] Rob Riemen, O Eterno Retorno do Fascismo, Lisboa, Editorial Bizâncio, 2017 (2ª ed.), 78 pp.
[2] Ver entrevista a Rob Riemen aqui.


Sem comentários:

Enviar um comentário