
Se
é verdade que o nosso passado deve ser melhor estudado e pensado, já agora, doa
a quem doer, na escala das atrocidades intelectuais talvez o nosso eterno
atraso científico nos tenha evitado contribuir para essa mistificação
pseudo-científica em torno das raças, onde pulularam ingleses e
norte-americanos, mostrando como o debate científico serviu e serve as
intenções e projetos políticos mais inconfessados.
Entre
o abundante material referido e tratado neste livro, chamou-me a atenção as
quatro páginas dedicadas a Louis Agassiz (1807-1873). Este suiço de nascimento
foi um eminente zoólogo, geólogo e historiador natural que estudou em Zurique,
Heidelberga e Munique, trabalhou na Universidade de Neuchâtel e, em 1846,
mudou-se para os Estados Unidos onde se tornou professor de zoologia e geologia
em Harvard[2].
Ora,
entre abril de 1865 e agosto de 1866, Agassiz participou numa expedição ao
Brasil e que contou com jovens estudiosos como, por exemplo, William James, o
futuro psicólogo e filósofo e cuja obra ficará internacionalmente conhecida.
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Francisco Bethencourt |
Durante
a expedição, Agassiz foi registando várias observações. Algumas não deixarão de,
eventualmente, melindrar o nosso sentimento mais nacionalista. Assim, Francisco
Bethencourt dá-nos conta de que Agassiz defendia que «em inteligência, os
negros livres estão à altura dos brasileiros e dos portugueses», que transmitiam
«o espectáculo único de uma raça superior a ser influenciada por outra mais
baixa, de uma classe educada a adotar os hábitos e a descer ao nível dos
selvagens»[3]. Isso
mesmo, os portugueses teriam descido na escala das raças (no pressuposto meramente
ideológico de que existe essa escala) e, vítimas da mestiçagem, fomentado esse
contacto reprovável entre raças, teriam contribuído para o desaparecimento duma
pureza que se dissolveria com as boas qualidades físicas e morais que a
acompanhavam. Para Agassiz, citado por Bethencourt, os mestiços eram tão
repugnantes como cães rafeiros!
Porém,
o que pretendia Agassiz?
Nada
mais que avisar que «o Brasil era um bom exemplo do tipo de sociedade de raça
mista que os Estados Unidos deveriam evitar»[4]. Por
outro lado, o autor enquadra a posição de Agassiz no contexto político dos
Estados Unidos da altura: a derrota da Confederação e a vitória do
abolicionismo[5].
Mas nem tudo estava perdido para os defensores do esclavagismo e da supremacia
dos brancos: até à década de 1960 manter-se-ia "um desenvolvimento
ativamente político da teoria das raças a favor das políticas sulistas de
exclusão, segregação e discriminação [...] sob o olhar impávido dos pragmáticos
brancos nortistas que partilhavam os mesmos preconceitos raciais básicos"[6]. É que o
problema não tinha apenas a ver com uma discutível teoria das raças, mas com o
modo de produção capitalista. E este estava (e está) para durar.
Francisco Bethencourt, Racismos - das Cruzadas ao Século XX,
Lisboa, Temas e Debates - Círculo de Leitores, 2015, 582 pp.
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