sábado, 3 de fevereiro de 2018

A tragédia dum rei sem trono

Este interessante livro do historiador Paulo Drumond Braga sobre a vida de D. Duarte Nuno
de Bragança (1907-1976) conta-nos a peculiar vida dum amargurado e deprimido pretendente a um trono que nunca existiu para além do desejo e dos projetos de monárquicos mais sonhadores e para o qual nunca se encontrou fadado. Não nasceu para ser rei, pois era o terceiro na linha de sucessão e apenas surge como pretendente ao trono como resultado de funestos acontecimentos: a morte do irmão Francisco José, filho de D. Miguel (II) e de Isabel de Thurn e Taxis, o primeiro casamento do pai e a renúncia de outro, D. Miguel Maximiliano Sebastião, com a mesma carreira militar,  integrado nas incursões monárquicas de Paiva Couceiro em 1911 e 1912 e durante a Primeira Guerra, que o irmão Francisco José, sem no entanto ter sido feito prisioneiro como o irmão, que morreu prisioneiro das tropas italianas.  Ocorrências a que se deve somar a morte do pai quando tinha 13 anos e a morte sem filhos de D. Manuel II, em 1932.
Surgir como pretendente ao trono num contexto nacional e internacional tão complexo, tendo Salazar e o Estado Novo como oponentes diretos apesar das suas óbvias simpatias pela situação, tentando gerir, quando não era vítima, as contradições internas do movimento monárquico, fez deste D. Duarte Nuno, pai de D. Duarte Pio que todos conhecemos e neto de D, Miguel que reinou entre 1826 e 1834
O acertado título, Nas Teias de Salazar, revela bem a interessante história que se desenrola ao lado do relato sobre a vida de D. Duarte Nuno. É que Salazar ía acalmando as hostes monárquicas com grande habilidade, revelando alguma condescendência em relação aos vários pedidos que lhe íam fazendo, o que não deixava de produzir embaraços por entre aqueles que se opunham ao Estado Novo.
Contudo, o que ressalta da nossa leitura do livro e nos inspira para outras reflexões, é observarmos a amargura e a saudade dos exilados monárquicos (entre os mais ilustres, por exemplo, D. Amélia e D. Manuel II), o modo como exprimem o amor à terra, a nostalgia da paisagem, justificando incursões rápidas e semi-clandestinas, viagens pelo país em modo clandestino e protagonizadas por alguns que não resistiam às saudades.
Interessante biografia, cuja leitura me surpreendeu por ser tão fluída e cativante, está estruturada diacronicamente sem ficar submetida e limitada por um propósito historicista. Ao mesmo tempo, como que se apresenta como uma sugestiva e inspiradora proposta de ficção, o que não deixará de agradar aos amantes do romance histórico.
No fim fica-nos a amargura que perpassa as suas páginas e quando entramos nos aspetos mais privados e íntimos da vida do biografado e a que não será estranha a sugestão subtil de estarmos diante de uma personalidade obsessiva-compulsiva. O que leva o autor a afirmar que D. Duarte Nuno de Bragança "cultivou um perfil talvez demasiado cinzento e opaco, que em nada contribuiu para divulgar uma imagem positiva junto dos portugueses" (p. 312). De qualquer modo, sempre se situará D. Duarte Nuno sob o signo fatal dum desajustamento essencial que o levará da esperança à desilusão e, depois, à triste solidão dos últimos anos: a de um inesperado candidato a rei sem trono, patriota mas longe da pátria durante uma parte significativa da sua vida e que, finalmente em Portugal, não irá encontrar o acolhimento e a paz que imaginaria ou lhe tinham prometido.


Paulo Drumond Braga, Nas Teias de Salazar - D. Duarte Nuno de Bragança (1907-1976) - entre a esperança e a desilusão, Lisboa, Ed. Objectiva, 2017, 358 pp.

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