Tereis de repetir todos os anos
Eternamente
A agrimensura dos vossos campos
Enquanto eu transbordar com as chuvas
E não me sustendo no meu leito
Vir-me
embriagado
Invadindo as vossas
cuidadas culturas.
Aqui se acoitam mentes brilhantes, almas torturadas e um pobre professor de Filosofia
Os portugueses usam uma
expressão interessante quando se referem a alguém que, continuando ligado à
empresa ou instituição, passou a não exercer nenhuma tarefa, ficando o dia todo
quieto a um canto, esquecido. Diz-se, nesse caso, que foi posto na prateleira. Nas
escolas, quando algum professor era vítima de doença que o limitava no
exercício das suas funções, deixava de poder lidar com os alunos. A sua
incapacidade fazia com que não pudesse continuar a dar aulas sem, no entanto,
passar à situação de aposentação por invalidez. Nestes casos, a direcção
da escola costumava retirar-lhe as turmas, embora o que se passasse,
efetivamente, é que ele é que era retirado
às turmas. Este professor correria o risco de ir parar à prateleira, não
fosse a direcção das escolas ter a luminosa ideia de o colocar na biblioteca da
escola. Na grande maioria das escolas era esta a saída para o problema. Uma
solução para o infausto professor, não para a biblioteca. Esta podia ganhar pouco
com este novo colaborador, mas a "solução" também revelava o
entendimento muito difundido sobre o papel das bibliotecas escolares. O
professor estava incapacitado, mas como se partia do princípio que ninguém ía à
biblioteca e que o professor que aí estivesse fica sossegadinho e apenas se
limitava a bocejar e a vigiar o voo dos livros, então a biblioteca podia ser
esse lugar de exílio. Ou melhor, atendendo ao caráter "terapêutico"
do desfecho, podia encarar-se a estadia na biblioteca como uma ida para as
termas.
lguns dos
meus alunos, confrontados com esta questão, responderam que o amor que ele
recebia agora compensava a perda de liberdade. O amor... Os meus adolescentes alunos
ainda são capazes dessa generosa resposta. Por outro lado, também era verdade
que o comportamento do Gipsy, no dia-a-dia, parecia revelar um constante
agradecimento. Mas isso podia ser um efeito do nosso olhar, a nossa boa
consciência a aliviar a nossa preocupação, a legitimar as nossas decisões.