terça-feira, 11 de abril de 2017

Eu e o César Milán, o encantador de cães

Eu conheço pessoalmente o César Milan. Já estivemos juntos meia dúzia de vezes e vou contar-vos algumas coisas deste nosso longo relacionamento, inconfidências de que ele não se importará, quase de certeza. De facto, ele é, como muitos dizem, provavelmente com conhecimento apurado que lhes permite essa capacidade de despachar os outros duma penada, ele é mesmo, dizia, um curioso e um autodidata e percebe pouco de cães com problemas e ele próprio reconhece isso.
O César Milan, «el paquito» para os amigos e eu sou amigo dele como já disse, nunca gostou de cães. Em pequeno, na aldeia mexicana onde ele vivia, foi mordido por um chihuahua que lhe tentava disputar uns tacos que ele levava numa lancheira quando ía para a escola. O César avisou-o por várias vezes, "oh pá, vai dar uma volta", mas o canito estava mesmo focado nos tacos, que eram cozinhados por uma tia do Cesar, a tia Lurditas. Eu próprio cheguei, anos mais tarde, a provar dos tacos da tia Lurditas e compreendo perfeitamente que o chihuahua os disputasse ao «paquito» e o acabasse por lhe dar uma dentada na mão, que foi o que aconteceu. O César ficou com uma deformação nos dedos que o impede de escrever. Ora ele, desde muito cedo que queria ser escritor de livros de auto-ajuda, acabou por ver esse sonho desfeito devido a esse incidente com o cão. E, a partir daí, jurou que se ía vingar nos cães. E foi a partir desse momento que começou a congeminar esse diabólico plano. Um plano que conheço perfeitamente, mas que por razões óbvias não o posso revelar aqui. Até porque, a par duns esquimós que fazem equilibrismo e uns tipos que pertencem a um coro de música barroca de Florença, eu também lá tenho um papel, modesto, no desfecho final desse tal plano diabólico contra os cães e todos os donos de cães e que, pela sua magnitude e repercussões na vida dos seres humanos ao cima do planeta, pode-se comparar à última glaciação.  E, tal como eu conheço o César, o plano é mesmo para seguir em frente. Aliás, já está em execução.
Já por várias vezes lhe disse: "César, mas podias escrever os livros de auto-ajuda no computador, pois para teclar só precisas de dois dedos e mesmo para conceber os livros de auto-ajuda também só precisas de dois dedos de testa, porque não experimentas?". Ele fixa-me nos olhos com o seu olhar seráfico e responde-me invariavelmente: "Não, zé carlitos, ele trata-me assim, eu queria mesmo era escrever os livros com os dedos todos e por causa desse maldito cão, o chihuahua dos tacos da tia Lurditas, vou ter que reorganizar os meus planos para o futuro...».

Ele já me disse que gostava de conhecer Portugal e vir a Lisboa, mas era para vir cantar e fazer a primeira parte do espectáculo do Carlos Paião, no Coliseu. Eu já lhe respondi por várias vezes, "oh César, esse cantor já morreu", mas ele insiste, porque acha que se cantasse na 1ª parte, o Paião ía aparecer para fazer a 2ª parte. Enfim, ele é mexicano e possivelmente segue aquelas crenças indígenas com muita coca à mistura e se calhar vê e sabe coisas que a gente nem sonha. Nós somos amigos, mas não partilhamos as nossas crenças religiosas, porque como sabem eu sou pastor evangélico aos domingos à noite e não acredito nessas coisas de macumbas e reencarnações para fazer espectáculos no Coliseu. Bem, adiante! E, de facto, ele acabaou por não se dedicar aos livros de auto-ajuda, embora com a troca de correspondência que temos, já desse para fazer um bom livro e ir ao programa da manhã do Goucha. Digo do Goucha, porque o César, mesmo nos EUA onde vive, segue a TVI e os programas da manhã do Goucha e da Cristina. Quando não pode ver, grava. Quando não pode uma coisa, nem outra, pede-me para lhe fazer um resumo sobre o mais essencial e para lhe contar em pormenor as piadas do Goucha e da Cristina. É um fã incondicional e nós, portugueses, até devíamos ficar-lhe gratos por esse amor à pátria de Camões e não dizer mal dele, que é um encanto de pessoa, não desfazendo. Eu até já lhe perguntei se ele não queria ir lá ao programa do Goucha e da Cristina, que conseguia arranjar uma maneira, pois tenho lá um primo que trabalha na TVI, até fui ao casamento dele, casou com uma rapariga ucraniana, uma excelente rapariga e boa como o milho, se bem que na Ucrânia até não haja muito milho, e que mora num apartamento no Cacém, um terceiro andar sem elevador; pois esse meu primo informou-me que trabalha todos os dias na régie, "muito de perto" do realizador do programa, que é uma espécie de assistente de realização, mas eu acho que é tanga, ele não acabou o 12º ano, na volta o trabalho dele é só despejar os cinzeiros e ir buscar águas sem gás. Insisti com o César, que podia conhecer o Goucha ao vivo e dar um beijo à Cristina, que é até parecida com a mulher do meu primo, nessa coisa do milho. Mas não, nada feito. O César só aceitava ir ao programa para cantar e queria que eu o acompanhasse à viola e fizesse coros. Só que eu disse-lhe que não podia, que tinha uma reputação a defender. Obviamente, não lhe ía dizer que era a minha Filipa que não me deixava... 
(continua)

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