Eu conheço pessoalmente o César Milan. Já
estivemos juntos meia dúzia de vezes e vou contar-vos algumas coisas deste
nosso longo relacionamento, inconfidências de que ele não se importará, quase
de certeza. De facto, ele é, como muitos dizem, provavelmente com conhecimento
apurado que lhes permite essa capacidade de despachar os outros duma penada,
ele é mesmo, dizia, um curioso e um autodidata e percebe pouco de cães com
problemas e ele próprio reconhece isso.
O César Milan, «el paquito» para os amigos e eu
sou amigo dele como já disse, nunca gostou de cães. Em pequeno, na aldeia
mexicana onde ele vivia, foi mordido por um chihuahua que lhe tentava disputar
uns tacos que ele levava numa lancheira quando ía para a escola. O César
avisou-o por várias vezes, "oh pá, vai dar uma volta", mas o canito
estava mesmo focado nos tacos, que eram cozinhados por uma tia do Cesar, a tia
Lurditas. Eu próprio cheguei, anos mais tarde, a provar dos tacos da tia
Lurditas e compreendo perfeitamente que o chihuahua
os disputasse ao «paquito» e o acabasse por lhe dar uma dentada na mão, que foi
o que aconteceu. O César ficou com uma deformação nos dedos que o impede de
escrever. Ora ele, desde muito cedo que queria ser escritor de livros de
auto-ajuda, acabou por ver esse sonho desfeito devido a esse incidente com o
cão. E, a partir daí, jurou que se ía vingar nos cães. E foi a partir desse
momento que começou a congeminar esse diabólico plano. Um plano que conheço
perfeitamente, mas que por razões óbvias não o posso revelar aqui. Até porque,
a par duns esquimós que fazem equilibrismo e uns tipos que pertencem a um coro
de música barroca de Florença, eu também lá tenho um papel, modesto, no
desfecho final desse tal plano diabólico contra os cães e todos os donos de
cães e que, pela sua magnitude e repercussões na vida dos seres humanos ao cima
do planeta, pode-se comparar à última glaciação. E, tal como eu conheço o César, o plano é
mesmo para seguir em frente. Aliás, já está em execução.
Já por várias vezes lhe disse: "César,
mas podias escrever os livros de auto-ajuda no computador, pois para teclar só
precisas de dois dedos e mesmo para conceber os livros de auto-ajuda também só
precisas de dois dedos de testa, porque não experimentas?". Ele fixa-me
nos olhos com o seu olhar seráfico e responde-me invariavelmente: "Não, zé
carlitos, ele trata-me assim, eu queria mesmo era escrever os livros com os
dedos todos e por causa desse maldito cão, o chihuahua dos
tacos da tia Lurditas, vou ter que reorganizar os meus planos para o
futuro...».
Ele já me disse que gostava de conhecer
Portugal e vir a Lisboa, mas era para vir cantar e fazer a primeira parte do
espectáculo do Carlos Paião, no Coliseu. Eu já lhe respondi por várias vezes,
"oh César, esse cantor já morreu", mas ele insiste, porque acha que
se cantasse na 1ª parte, o Paião ía aparecer para fazer a 2ª parte. Enfim, ele
é mexicano e possivelmente segue aquelas crenças indígenas com muita coca à
mistura e se calhar vê e sabe coisas que a gente nem sonha. Nós somos amigos,
mas não partilhamos as nossas crenças religiosas, porque como sabem eu sou
pastor evangélico aos domingos à noite e não acredito nessas coisas de macumbas
e reencarnações para fazer espectáculos no Coliseu. Bem, adiante! E, de facto, ele acabaou por não se dedicar
aos livros de auto-ajuda, embora com a troca de correspondência que temos, já
desse para fazer um bom livro e ir ao programa da manhã do Goucha. Digo do
Goucha, porque o César, mesmo nos EUA onde vive, segue a TVI e os programas da
manhã do Goucha e da Cristina. Quando não pode ver, grava. Quando não pode uma
coisa, nem outra, pede-me para lhe fazer um resumo sobre o mais essencial e
para lhe contar em pormenor as piadas do Goucha e da Cristina. É um fã
incondicional e nós, portugueses, até devíamos ficar-lhe gratos por esse amor à
pátria de Camões e não dizer mal dele, que é um encanto de pessoa, não desfazendo.
Eu até já lhe perguntei se ele não queria ir lá ao programa do Goucha e da
Cristina, que conseguia arranjar uma maneira, pois tenho lá um primo que
trabalha na TVI, até fui ao casamento dele, casou com uma rapariga ucraniana,
uma excelente rapariga e boa como o milho, se bem que na Ucrânia até não haja
muito milho, e que mora num apartamento no Cacém, um terceiro andar sem
elevador; pois esse meu primo informou-me que trabalha todos os dias na régie, "muito de perto" do
realizador do programa, que é uma espécie de assistente de realização, mas eu
acho que é tanga, ele não acabou o 12º ano, na volta o trabalho dele é só
despejar os cinzeiros e ir buscar águas sem gás. Insisti com o César, que podia
conhecer o Goucha ao vivo e dar um beijo à Cristina, que é até parecida com a
mulher do meu primo, nessa coisa do milho. Mas não, nada feito. O César só
aceitava ir ao programa para cantar e queria que eu o acompanhasse à viola e
fizesse coros. Só que eu disse-lhe que não podia, que tinha uma reputação a
defender. Obviamente, não lhe ía dizer que era a minha Filipa que não me
deixava...
(continua)