domingo, 12 de maio de 2019

Falar e javardice


Falar, como o olhar, visa o poder. Falamos e olhamos para dominar o outro. Porém, o falar
tem um problema: o falar excessivo torna o discurso numa forma de elementar tagarelice. Entramos no domínio do que os franceses chamam "bavardage".
Não sei muito bem porquê, mas "bavardage" soa-me a javardice. O javardo é também um tagarela, alguém que não consegue parar de falar, de dizer banalidades, baboseiras. Fala tanto, que não consegue fechar a boca enquanto come. Javardice.
Não pára de falar porque fica incomodado, visivelmente incomodado, com o silêncio. Quando o silêncio se instala, o tagarela fica aflito, incomodado, não sabe o que há-de fazer com as mãos, onde pôr as mãos.
À mesa, pega na sardinha com as mãos e leva-a à boca. Faz o mesmo com a perna do frango assado. Desculpa-se, dizendo que é assim que a comida (o "comer") lhe sabe melhor. Quer ser autêntico, puro, dispensa os talheres e as regras mais elementares. Que não alinha em "modernices". Javardice. Javardice pós-moderna.

1 comentário:

  1. Hoje, parece haver uma enorme contradição no estar. Não estamos em silêncio porque o silêncio, na sua imensa grandiosidade, afronta-nos. Mas se calhar também já perdemos muita da nossa capacidade para estar com o outro e com ele comunicar de forma direta. Olhos nos olhos, dir-se-ia. Com a nossa comunicação fortemente mediada pelas tecnologias, o telemóvel é a perna do frango com que javardamente ocupamos as mãos e com que falamos de boca cheia sem chegar sequer a abri-la. E assim se vai perdendo a riqueza do contacto humano.

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