domingo, 26 de novembro de 2017

A freira farinheira - a minha modesta "homenage" ao Bocage

Não é por similitude sonora
Que a nossa irmã freira
Resguardada no seu hábito
Se confunde com a farinheira

É que esta nossa pobre irmã
À cozinha devotada com amor
Entende que entre os tachos
Se glorifica também o Senhor.

Só que o mundo dos enchidos
Foi pelo Demo inventado
E ninguém a convence a deitar
Um chouriço no cozinhado.

Porque é fálica a sua forma
Suscita libidinosas insinuações
Que se a freira agarrasse no petisco
Teria escandalosas recordações.

Mas está disposta a recuar
Na rigorosa arte culineira
E em vez do erecto chouriço
Usa ‘ma engelhada farinheira.

Junta-se a santa congregação
Chegam convivas especiais
Havendo cozido à portuguesa
Nunca vêm bocas a mais.

Veio o bispo anafado
E uns auxiliares amorosos
Mais os padres habituais
Que só pecam por serem gulosos.

Quando vieram as travessas
Calaram-se os padres tementes
Porque a esta malta religiosa
Deus deu-lhes as nozes… e os dentes.

Pareciam esfomeados
Fizeram grande escarcéu
Atacaram doidos o cozido
Não fosse acabar o pitéu.

Mas o que é bom sempre acaba
Está escrito e é verdade
Mergulharam na carniça
Esqueceram a sobriedade.

Até que um religioso
Descobre a dita farinheira
E como Colombo excitado
- Eis aqui a índia inteira!

Ergue-se um coro de espanto
Gritam todos os irmões
Se anda aí a farinheira
Onde estão os colhões?

Em vão rapam a travessa
Em busca dos cujos ditos
Porém nada encontram
Queixam-se os padres aos gritos.

Porém se olhassem para a freira
E deixassem de ser lamechas
Logo as bolas descobriam
A chumaçar-lhe as bochechas.

José Carlos S. de Almeida (2008-2017)


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