Ando há dois dias a
deliciar-me com a leitura da recente obra de Paulo Drumond Braga, Nas teias de Salazar - D. Duarte Nuno de
Bragança (1907-1976) - entre a esperança e a desilusão [1], quando
dou de caras (p. 167) com a descrição impiedosa que Alfredo Pimenta faz da
Causa Monárquica em carta dirigida a Salazar. Imediatamente comecei a vasculhar
no meu desarrumado amontoado de livros que é o meu escritório e lá encontrei o
volume que reúne a correspondência trocada entre o medievalista e doutrinador
monárquico Alfredo Pimenta (1882-1950) e Salazar[2]. Por se
tratar dum retrato tão elegante quanto impiedoso e que se pode aplicar a mais
gente, moça e recente, não resisto a deixar aqui a passagem mais completa em
que Alfredo Pimenta carateriza a Causa Monárquica e os seus dirigentes,
sossegando Salazar em relação às movimentações monárquicas[3].
"A direção da
Causa tem andado por mãos de jarrões ocos - alguns, esplêndidas pessoas, de
caráter íntegro, mas analfabetos, ou, o que é pior, ilaqueados nas malhas de
Doutrinas que fizeram o seu tempo e não são mais do que cadáveres que a higiene
manda sepultar; ou de caciques eleiçoeiros vivendo apenas dos jogos da
vermelhinha das assembleias eleitorais; ou de argentários, muito orgulhosos das
contribuições com que concorrem para isto ou para aquilo; ou de ginjas, muito
reumatizados ou arteriosclerosados, sem vontade nenhuma de deixar as botijas de
água quente ou os sapatos de ourelos - mas que se considerariam ofendidos na
sua honra se fossem dispensados de funções que não podem desempenhar.
Rodeie V.ª Ex.ª
estes excelentes cavalheiros de um bando de cretinos muito falados nos carnets mundanos - e aí terá o Estado
Maior da Causa Monárquica - isto desde 6 de outubro de 1910, até hoje, 8 de
outubro de 1940."
[1] Paulo Drumond
Braga, Nas Teias de Salazar - D. Duarte
Nuno de Bragança (1907-1976) - entre a esperança e a desilusão, Lisboa,
2017, Ed. Objectiva - Penguin Random House, 358 pp. A este excelente e agradável livro voltarei com o cuidado que lhe é devido.
[2] Salazar e Alfredo Pimenta - Correspondência
1931-1950, prefácio de Manuel Braga da Cruz, Lisboa, 2008, Verbo, 439 pp.
[3] Alfredo
Pimenta era polémico e não deixava nada por dizer. Não foi por acaso que em
1943, até o próprio Cardeal Patriarca D. Manuel Cerejeira o condena como
"escritor perigoso", por causa das suas declarações pró-nazis.
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