Quando um negócio ficava apalavrado isso
significava que os intervenientes no negócio, no contrato, já tinham abordado
(pela palavra) os seus termos essenciais e, portanto, o negócio já estava
delineado no fundamental e já se poderia fechar, isto é, concluir.
Depois de apalavrado ele poderia ficar reduzido a
escrito. Mas reparemos, desde já, que esta transposição do registo do apalavrado
(oralidade) para o registo escrito irá conduzir sempre a um excesso que o
contrato (escrito) deve, num momento de conformação segundo os modelos em uso,
delapidar, reduzir, limar.
A escrita vai, assim, excluir o supérfluo do
farelório, joeirar o discurso.
Mas tempo houve em que não era preciso reduzir a
escrito o negócio. Nessa altura, bastava a palavra dum homem para ele se sentir
obrigado e os outros acreditarem nessa obrigação. A sua palavra servia de
penhor, era a marca da sua honra. Palavra de honra…
O negócio apalavrado não ficava com esse aspeto de
provisoriedade que não daria segurança aos intervenientes. Não, estava apalavrado
e isso era suficiente. Aliás, nessa altura, poucos sabiam ler e escrever.
Registar por escrito os termos do negócio era meio caminho para armadilhar os
analfabetos, isto é, quase sempre os mais humildes e pobres. Com este condicionalismo,
mais valia apalavrar, manter o negócio apalavrado. Era suficiente para homens
de palavra.
Lembro-me de ir com a minha
mãe, tinha uns 6 anos, à feira do gado, às segundas-feiras, ajudar o meu avô na
venda dalgum animal, quase sempre uma vaquita. Gostava dos ambientes das
feiras, do cheiro a gado, das barracas de pano onde se bebia e comia e onde
cheguei a ir almoçar numas mesas compridas e que se partilhava com quem quer
que fosse, quase sempre um desconhecido com quem acabávamos, inevitavelmente,
por conversar. Ora, nessas barracas da feira, os homens que negociavam o gado,
costumavam fechar o negócio, era assim que o meu avô fazia, indo aí beber um
copo de vinho. O negócio fechava-se com palavras que acabavam por molhar, pois
já tinham as gargantas secas por causa do pó que soltava do terreiro da feira e
de tanto apalavrar.
Sem comentários:
Enviar um comentário