Nos últimos dias, dois acontecimentos trágicos envolvendo vítimas mortais foram notícia de abertura
nos telejornais, embora com abordagens e desenvolvimentos diferentes. O primeiro teve a ver com a morte duma família, três adultos e duas meninas de 9 e 14 anos, cinco vítimas de presumível intoxicação por monóxido de carbono, no concelho de Sabrosa, distrito de Vila Real. O segundo, com duas vítimas já confirmadas, aconteceu no seguimento da estrada que ligava Borba a Vila Viçosa ter abatido, uma estrada que nos últimos anos vinha a ser "comida" pelo apetite das pedreiras que a ladeavam.
Numa perspetiva meramente consequencialista, o país deveria acompanhar com mais consternação e dor, o primeiro acontecimento, já que as consequências foram mais terríveis, atendendo ao número de vítimas e aos laços familiares que as uniam. No entanto, foi o acidente do distrito de Évora que se prolongou nos noticiários, com direito a debates e conferências de imprensa, mobilização de peritos e maquinaria e, obviamente, a visita meteórica do presidente Marcelo.
Há mortes e mortes e nós preferimos uma morte espetacular à morte discreta duma pobre família, habitando um casebre sem luz elétrica e sem janelas, que morreu respirando.
O caso da estrada das pedreiras que abateu ainda promete sangue, apuramento polémico de responsabilidades, o eterno passa culpa e relatórios e avisos que não foram tidos em conta e muita, muita discussão. Ora, uma morte demasiado discreta, na calada da noite, no recato duma casa, não satisfaz o nosso prazer mediático.
As mortes de Sabrosa refletem uma situação que preferimos esquecer rapidamente. A pobreza e a miséria em que muitos dos nossos concidadãos vivem, ou sobrevivem, são demasiado incómodas para a nossa boa consciência pré-natalícia.
Enquanto os corpos da pedreira, para a nossa gula, vão demorar a aparecer, aquela pobre família já foi a enterrar.
As oportunas pazadas de terra ajudar-nos-ão a recalcar o nosso mal-estar.