terça-feira, 13 de junho de 2017

Apalavrado, ficar apalavrado

Quando um negócio ficava apalavrado isso significava que os intervenientes no negócio, no contrato, já tinham abordado (pela palavra) os seus termos essenciais e, portanto, o negócio já estava delineado no fundamental e já se poderia fechar, isto é, concluir.
Depois de apalavrado ele poderia ficar reduzido a escrito. Mas reparemos, desde já, que esta transposição do registo do apalavrado (oralidade) para o registo escrito irá conduzir sempre a um excesso que o contrato (escrito) deve, num momento de conformação segundo os modelos em uso, delapidar, reduzir, limar.
A escrita vai, assim, excluir o supérfluo do farelório, joeirar o discurso.
Mas tempo houve em que não era preciso reduzir a escrito o negócio. Nessa altura, bastava a palavra dum homem para ele se sentir obrigado e os outros acreditarem nessa obrigação. A sua palavra servia de penhor, era a marca da sua honra. Palavra de honra…
O negócio apalavrado não ficava com esse aspeto de provisoriedade que não daria segurança aos intervenientes. Não, estava apalavrado e isso era suficiente. Aliás, nessa altura, poucos sabiam ler e escrever. Registar por escrito os termos do negócio era meio caminho para armadilhar os analfabetos, isto é, quase sempre os mais humildes e pobres. Com este condicionalismo, mais valia apalavrar, manter o negócio apalavrado. Era suficiente para homens de palavra.
Lembro-me de ir com a minha mãe, tinha uns 6 anos, à feira do gado, às segundas-feiras, ajudar o meu avô na venda dalgum animal, quase sempre uma vaquita. Gostava dos ambientes das feiras, do cheiro a gado, das barracas de pano onde se bebia e comia e onde cheguei a ir almoçar numas mesas compridas e que se partilhava com quem quer que fosse, quase sempre um desconhecido com quem acabávamos, inevitavelmente, por conversar. Ora, nessas barracas da feira, os homens que negociavam o gado, costumavam fechar o negócio, era assim que o meu avô fazia, indo aí beber um copo de vinho. O negócio fechava-se com palavras que acabavam por molhar, pois já tinham as gargantas secas por causa do pó que soltava do terreiro da feira e de tanto apalavrar.

Sem comentários:

Enviar um comentário